sexta-feira, abril 15, 2005

66...




Farias hoje 66 anos se estivesses entre nós...
Tem sido muito difícil lidar com a tua ausência, apesar de já terem passado 2 anos e meio. Tem sido difícil não ouvir o verdadeiro anfitrião de todas as épocas festivas que passam. Não são as mesmas. Não voltarão a ser, pelo menos para mim. Ver o teu lugar vazio, ou mesmo ocupado mas não por ti, deixa-me sempre nostálgico.
A família unida ajuda, de certa maneira, mas não preenche o vazio deixado por ti. Tudo o que vejo naquelas que já foram as nossas casas, nos arredores, nos sítios por onde passamos, onde fizemos férias, onde nos levaste a conhecer, nas pessoas que connosco conviveram ou simplesmente em frases ou situações que acontecem dia-a-dia, lembro-me de ti. Imagens de um passado feliz onde és protagonista, sempre com a enorme e contagiante boa disposição que emanavas naturalmente, passam-me constantemente pela memória.

Depois de ti foi o teu querido irmão “caçula” e meu padrinho.
Uns dias antes, a pedido dele e porque já lhe faltavam as forças, fui à sua última morada fazer-lhe a barba. Já lhe tinha rapado o cabelo porque começava a cair com os tratamentos, e a suas parecenças comigo eram bastantes. Impressionante mesmo foi quando lhe fiz a barba. Além de me ter recordado das manhãs em que me arranjava para ir para a escola enquanto tu fazias a barba em frente ao espelho, os traços eram os teus. Os olhos, o nariz, as orelhas, a boca e mesmo as rugas eram iguais. Arrepiei-me por algumas vezes e vieram-me as lágrimas aos olhos. Sabia perfeitamente que o seu fim estava próximo e sentia a sua frustração em não poder fazer as coisas sozinho graças ao avançado estado da doença. As suas últimas expressões mostraram um homem firme e decidido, mas ao mesmo tempo, os azares e os percalços da vida também estavam patentes. A tristeza por saber que iria acabar assim, dependente... Merecia mais e melhor, o meu padrinho.
Eu sei que tu jamais querias chegar a uma situação idêntica. Eras muito orgulhoso e senhor do teu nariz, características que me passaste por herança.
Eu também não quero acabar assim, dependente.
Mais tarde foi o tio Alfredo. Uma pessoa mais reservada, mas com um carisma muito próprio. Sei que nutria um sentimento especial em relação a mim e que era recíproco. Chamava-me o “Zé-Corta-Mato” naquelas excursões que fizemos no monte de caminha até casa do Joaquim. Eu chegava sempre primeiro, com a energia própria da adolescência, e tu e o tio Alfredo chegavam sempre a bufar graças ao tabaco. As férias que passei em Mindelo, na sua casa, são inesquecíveis. O seu estilo Clark Gable e a ginástica matinal... Problemas de saúde levaram-no para uma cadeira de rodas. Sofria muito naquela cadeira de rodas, também dependente, mas lembrava-se com emoção quando lhe falava dessas incursões em caminha. Que esteja em paz, perto de vós todos, a nossa família, no céu.
Mais recentemente foi a tia Zulmira. Uma senhora muito vivida, com muitas histórias e anedotas do Bocage para contar. Tinha imensa piada o seu à-vontade. Também passou por muitas amarguras na vida. O simples facto de ser retornada e ter deixado uma vida em Angola deitou-a abaixo. A morte do tio Adriano arrasou-a, e a falta de descendentes também a deixou, de certa maneira, dependente da família. As amarguras e o sofrimento ao longo da vida criaram-lhe uma certa frieza natural, que não condeno, mas que era recompensada por uma ternura no olhar. Notava-se que lhe faltava a experiência de ser mãe e uma tristeza consequente. Na véspera da sua partida fui fazer-lhe uma visita. Quando a vi, pensei que poderia ser a última visita que lhe fazia, aproveitei e despedi-me dela, coisa que não pude fazer contigo porque nem tempo deste.
Ontem soube que um teu grande Amigo se juntou a vós. O Couto Alves. Uma viagem de trabalho ao Norte na passada quinta-feira, levou-me a passar no seu estaleiro, onde várias vezes me levaste. Jogavam cartas horas infindáveis. Um cliente que se tornou num grande amigo e sempre bom conselheiro pois ouvia-o dizer-te constantemente para deixares de fumar. Sei que a tua partida o arrasou.
No fim do ano passado, pelo que me contaram, sentiu uma dor no peito e veio a descobrir um cancro. Os tratamentos de quimioterapia em Pamplona e as intervenções cirúrgicas a que foi submetido deixaram-no muito em baixo. A última, no dia 2 de Fevereiro deste ano, foi-lhe fatal. Juntou-se a ti para a desforra das cartas...

Hoje, por coincidência ou não, é o funeral do príncipe Rainier do Mónaco por quem tu tinhas uma especial admiração, não só por seres parecido com ele, mas pela verdadeira história de príncipes que viveu com Grace Kelly no seu pequeno reino.

Começo a pensar que cheguei a uma fase da vida onde a família se encontra mais em funerais do que em festas de casamentos ou baptizados como antigamente. Começa a vida a ser cruel connosco e a passar-nos estas rasteiras. Acabaram-se as correrias e as mesas enormes cheias de bolos, doces e salgados, gelatina, mousse, bicos-de-pato com queijo e fiambre, e as festas com os primos, os tios e os avós todos.

No dia do meu 26º aniversário, e dias antes de me casar, escreveste-me:
“Para ti, Fausto, no dia em que completas os teus 26 anos, cheios de sonhos, para que sempre te lembres que para além desta vida há uma outra mais viva e mais verdadeira...”

Referias-te a esta vida, onde por vezes tudo se desmorona e deixa-nos lá no fundo com os desgostos das partidas dos que amamos, ou dessa que vives aí? Penso que só quando for ter contigo saberei...
“A ti, Pai, no dia que completarias 66 anos de idade, queria dizer-te que fazes uma falta enorme cá em baixo...”

Neste dia 15 de Abril de 2005, dedico-te esta música:
“O meu Imortal

Estou cansado de cá estar
Suprimido pelos meus medos de criança
E se tiveste que me deixar
Preferia que me deixasses sozinho
Porque a tua presença ainda vagueia por aqui e nunca me deixará

Estas feridas não parecem sarar
Esta dor é demasiado real
Há tantas coisas que o tempo não consegue apagar

Quando choravas eu limpava as tuas lágrimas
Quando gritavas eu expulsava os teus medos
Segurei na tua mão todos estes anos
Mas tu ainda tens
O meu Eu

Costumavas cativar-me
Com o teu sorriso confiante
Agora revejo a vida que deixaste para trás
A tua cara acompanha-me
Dia-a-dia ou em sonhos
A tua voz levou a minha sanidade

Estas feridas não parecem sarar
Esta dor é demasiado real
Há tantas coisas que o tempo não consegue apagar

Quando choravas eu limpava as tuas lágrimas
Quando gritavas eu expulsava os teus medos
Segurei na tua mão todos estes anos
Mas tu ainda tens
O meu Eu

Tento sempre acreditar que partiste
E apesar de estares sempre presente
Estou sozinho há tanto tempo

Quando choravas eu limpava as tuas lágrimas
Quando gritavas eu expulsava os teus medos
Segurei na tua mão todos estes anos
Mas tu ainda tens
O meu Eu

(Tradução e adaptação da música My Imortal dos Evanescence)”