sábado, outubro 15, 2005

Já passaram 3 anos...

Já passaram três anos...
Mas a dor da tua ausência perdura na nossa alma.
Apenas boas recordações permanecem intactas ao tempo e à saudade, cada uma servindo de lição às vidas que semeaste e ajudaste a criar.
Não deixo de pensar como seria se ainda estivesses entre nós...
O valor que damos à vida não chega para, por vezes, a colocarmos acima de tudo.
Os exemplos, que nos deveriam ensinar qualquer coisa, por vezes são insuficientes, prevalecendo a teimosia e o pensamento de que o mal só acontece aos outros...
Lembro-me de sentir a impotência total quando recebi a notícia há 3 anos. Lembro-me que nos 300Km que fiz antes de constatar a cruel verdade, todos os momentos contigo me passaram diante dos olhos inundados e raiados de vermelho. Uma dor que desejo nunca mais sentir...
Não consigo deixar de me sentir incompleto... Não consigo deixar de pensar no que ainda nos poderias ensinar... Não consigo falar destas coisas com ninguém, pois aperta-se-me a garganta cada vez que o tento fazer...
Aproveito estas alturas para desabafar e dizer o que me vai na alma pois sei que chegarão a ti, mesmo sendo um monólogo.
Não consegui fazer-te uma visita hoje, mas fá-la-ei amanhã. Entretanto presto a minha homenagem ao grande Homem, Pai, Marido e Amigo que sempre foste, e serás.

Saudades
Fausto

quinta-feira, setembro 15, 2005

Incompreendido

Ser um incompreendido,

É ser vítima de uma sociedade pobre
Por não acreditar naquilo qu’é nobre,
Que cria e dá a criar,
Que lamenta não poder ajudar
Pois está ocupada demais
A preocupar-se com os status morais
Dos que nada têm p’ra dar...
É ter arte...
Ideias e imaginação
Para poder voar mais alto
Conseguir tocar o céu
No entanto uma ilusão
Fruto da sociedade
Obriga-o a ocultar as asas
A cair na realidade
Pois tudo não passa de um sonho...

É ter capacidades tais
Passíveis de mover montanhas
De vos penetrar nas entranhas
Estudando as vossas façanhas
Expondo as etapas ganhas
E aquelas que estão por ganhar

É conseguir exprimir no papel
Aquilo que se vai na alma
Usando pena ou pincel
E aliada uma subtil calma
Capaz de irritar o leigo
Absolvido da ignorância
Defeitos da sua infância
E a lacuna de ser meigo

É aplicar aquilo que sabe
Para conciliar os que ama
E explodindo de alegria
Pois só isso ele queria
Sem louros nem fama
Talvez um obrigado...

No entanto
Normalmente modesto
Ás vezes imperceptível
Mesmo o incompreendido
Necessita de um gesto
Podendo ser susceptível
De alguém agradecido
Que o faça sentir
E assim prosseguir
O espírito enaltecido
De alguém incompreendido...


Fausto Vasconcellos/Fev.2000

sexta-feira, abril 15, 2005

66...




Farias hoje 66 anos se estivesses entre nós...
Tem sido muito difícil lidar com a tua ausência, apesar de já terem passado 2 anos e meio. Tem sido difícil não ouvir o verdadeiro anfitrião de todas as épocas festivas que passam. Não são as mesmas. Não voltarão a ser, pelo menos para mim. Ver o teu lugar vazio, ou mesmo ocupado mas não por ti, deixa-me sempre nostálgico.
A família unida ajuda, de certa maneira, mas não preenche o vazio deixado por ti. Tudo o que vejo naquelas que já foram as nossas casas, nos arredores, nos sítios por onde passamos, onde fizemos férias, onde nos levaste a conhecer, nas pessoas que connosco conviveram ou simplesmente em frases ou situações que acontecem dia-a-dia, lembro-me de ti. Imagens de um passado feliz onde és protagonista, sempre com a enorme e contagiante boa disposição que emanavas naturalmente, passam-me constantemente pela memória.

Depois de ti foi o teu querido irmão “caçula” e meu padrinho.
Uns dias antes, a pedido dele e porque já lhe faltavam as forças, fui à sua última morada fazer-lhe a barba. Já lhe tinha rapado o cabelo porque começava a cair com os tratamentos, e a suas parecenças comigo eram bastantes. Impressionante mesmo foi quando lhe fiz a barba. Além de me ter recordado das manhãs em que me arranjava para ir para a escola enquanto tu fazias a barba em frente ao espelho, os traços eram os teus. Os olhos, o nariz, as orelhas, a boca e mesmo as rugas eram iguais. Arrepiei-me por algumas vezes e vieram-me as lágrimas aos olhos. Sabia perfeitamente que o seu fim estava próximo e sentia a sua frustração em não poder fazer as coisas sozinho graças ao avançado estado da doença. As suas últimas expressões mostraram um homem firme e decidido, mas ao mesmo tempo, os azares e os percalços da vida também estavam patentes. A tristeza por saber que iria acabar assim, dependente... Merecia mais e melhor, o meu padrinho.
Eu sei que tu jamais querias chegar a uma situação idêntica. Eras muito orgulhoso e senhor do teu nariz, características que me passaste por herança.
Eu também não quero acabar assim, dependente.
Mais tarde foi o tio Alfredo. Uma pessoa mais reservada, mas com um carisma muito próprio. Sei que nutria um sentimento especial em relação a mim e que era recíproco. Chamava-me o “Zé-Corta-Mato” naquelas excursões que fizemos no monte de caminha até casa do Joaquim. Eu chegava sempre primeiro, com a energia própria da adolescência, e tu e o tio Alfredo chegavam sempre a bufar graças ao tabaco. As férias que passei em Mindelo, na sua casa, são inesquecíveis. O seu estilo Clark Gable e a ginástica matinal... Problemas de saúde levaram-no para uma cadeira de rodas. Sofria muito naquela cadeira de rodas, também dependente, mas lembrava-se com emoção quando lhe falava dessas incursões em caminha. Que esteja em paz, perto de vós todos, a nossa família, no céu.
Mais recentemente foi a tia Zulmira. Uma senhora muito vivida, com muitas histórias e anedotas do Bocage para contar. Tinha imensa piada o seu à-vontade. Também passou por muitas amarguras na vida. O simples facto de ser retornada e ter deixado uma vida em Angola deitou-a abaixo. A morte do tio Adriano arrasou-a, e a falta de descendentes também a deixou, de certa maneira, dependente da família. As amarguras e o sofrimento ao longo da vida criaram-lhe uma certa frieza natural, que não condeno, mas que era recompensada por uma ternura no olhar. Notava-se que lhe faltava a experiência de ser mãe e uma tristeza consequente. Na véspera da sua partida fui fazer-lhe uma visita. Quando a vi, pensei que poderia ser a última visita que lhe fazia, aproveitei e despedi-me dela, coisa que não pude fazer contigo porque nem tempo deste.
Ontem soube que um teu grande Amigo se juntou a vós. O Couto Alves. Uma viagem de trabalho ao Norte na passada quinta-feira, levou-me a passar no seu estaleiro, onde várias vezes me levaste. Jogavam cartas horas infindáveis. Um cliente que se tornou num grande amigo e sempre bom conselheiro pois ouvia-o dizer-te constantemente para deixares de fumar. Sei que a tua partida o arrasou.
No fim do ano passado, pelo que me contaram, sentiu uma dor no peito e veio a descobrir um cancro. Os tratamentos de quimioterapia em Pamplona e as intervenções cirúrgicas a que foi submetido deixaram-no muito em baixo. A última, no dia 2 de Fevereiro deste ano, foi-lhe fatal. Juntou-se a ti para a desforra das cartas...

Hoje, por coincidência ou não, é o funeral do príncipe Rainier do Mónaco por quem tu tinhas uma especial admiração, não só por seres parecido com ele, mas pela verdadeira história de príncipes que viveu com Grace Kelly no seu pequeno reino.

Começo a pensar que cheguei a uma fase da vida onde a família se encontra mais em funerais do que em festas de casamentos ou baptizados como antigamente. Começa a vida a ser cruel connosco e a passar-nos estas rasteiras. Acabaram-se as correrias e as mesas enormes cheias de bolos, doces e salgados, gelatina, mousse, bicos-de-pato com queijo e fiambre, e as festas com os primos, os tios e os avós todos.

No dia do meu 26º aniversário, e dias antes de me casar, escreveste-me:
“Para ti, Fausto, no dia em que completas os teus 26 anos, cheios de sonhos, para que sempre te lembres que para além desta vida há uma outra mais viva e mais verdadeira...”

Referias-te a esta vida, onde por vezes tudo se desmorona e deixa-nos lá no fundo com os desgostos das partidas dos que amamos, ou dessa que vives aí? Penso que só quando for ter contigo saberei...
“A ti, Pai, no dia que completarias 66 anos de idade, queria dizer-te que fazes uma falta enorme cá em baixo...”

Neste dia 15 de Abril de 2005, dedico-te esta música:
“O meu Imortal

Estou cansado de cá estar
Suprimido pelos meus medos de criança
E se tiveste que me deixar
Preferia que me deixasses sozinho
Porque a tua presença ainda vagueia por aqui e nunca me deixará

Estas feridas não parecem sarar
Esta dor é demasiado real
Há tantas coisas que o tempo não consegue apagar

Quando choravas eu limpava as tuas lágrimas
Quando gritavas eu expulsava os teus medos
Segurei na tua mão todos estes anos
Mas tu ainda tens
O meu Eu

Costumavas cativar-me
Com o teu sorriso confiante
Agora revejo a vida que deixaste para trás
A tua cara acompanha-me
Dia-a-dia ou em sonhos
A tua voz levou a minha sanidade

Estas feridas não parecem sarar
Esta dor é demasiado real
Há tantas coisas que o tempo não consegue apagar

Quando choravas eu limpava as tuas lágrimas
Quando gritavas eu expulsava os teus medos
Segurei na tua mão todos estes anos
Mas tu ainda tens
O meu Eu

Tento sempre acreditar que partiste
E apesar de estares sempre presente
Estou sozinho há tanto tempo

Quando choravas eu limpava as tuas lágrimas
Quando gritavas eu expulsava os teus medos
Segurei na tua mão todos estes anos
Mas tu ainda tens
O meu Eu

(Tradução e adaptação da música My Imortal dos Evanescence)”

terça-feira, março 22, 2005

Pai...

Mais vale tarde que nunca, portanto aqui vai:

Não! Não me esquecerei de ti!
Não, enquanto o mundo não chegar ao fim
Não, enquanto o olhar se perder no céu
À procura duma estrela numa lágrima perdida,
Caída por terra, seca e esquecida.
Nem que fossem precisos mil anos
Nem que tivesse de nascer novamente,
Voltaria ao passado certamente
Pois só te queria perto de mim...
Tenho sangue do teu sangue
Vermelho rubro, quente e suave
Que arde por dentro num fogo eterno
Que me gela o coração qual Inverno
Mais frio que o gelo, mais gelado que o vento
À procura de um destino, num mundo sem sentido...
Eu daria a alma em troca do momento
Em que te pudesse ouvir novamente
E dizer-te: Feliz dia Pai.

Desculpa...

quinta-feira, março 03, 2005

52 Graus...


Marrocos - Deserto do Erg-Chebi.
Foi realmente a máxima temperatura experimentada neste paradisíaco local.

Fui a primeira vez a Marrocos em Agosto de 1993. Fiquei deslumbrado com as cores, os cheiros, o clima. Fiquei fascinado com as paisagens que mudavam constantemente ao longo dos 4000Km percorridos, as pessoas, as diferentes raças, culturas e costumes. Fiquei perplexo com os cenários de sonho qual Lawrence da Arábia. Fiquei apaixonado por toda uma cultura árabe que marcou a Península Ibérica, e que estava ali, diante dos meus olhos, debaixo dos meus pés, em todo o seu esplendor. Fiquei cliente.
Marrocos não é nada do que se diz. É certo que há pobreza, condições precárias e por vezes falta de higiene. Mas não há roubos nem raptos. Os Marroquinos são um povo pacífico e hospitaleiro, muito hospitaleiro. É preciso saber lidar com eles, ser educado, respeitar a sua religião, e, fundamentalmente, saber falar francês.
Depois da primeira vez, e passados 7 anos, voltei a Marrocos. Nada mudou. Estava quase intacto. A pérola que vislumbrei 7 anos atrás, estava ali, mais brilhante que nunca.
Mais uma ou outra edificação, as estradas em melhor estado, mas o resto era igual. Mais uma vez extasiei. Comecei a pensar que me sentia realmente bem em Marrocos. Não era só por estar em período de férias, era mesmo diferente. Voltei lá por mais duas vezes, em 2002 e 2004, sempre em Agosto. O calor é intenso, nessa altura, mas é suportável, não é “pesado” como o nosso calor de Verão. Já devo andar perto dos 9000Km só em Marrocos, e ainda não fui a todos os locais que queria ir. Estou a ponderar ir novamente este ano (2005), mas não depende só de mim.
Vejo, em Marrocos, o meu ponto zen. Os estados de descontracção, relaxamento, satisfação são tão grandes que desejava que os dias fossem semanas para poder descansar realmente dos 200 e muitos dias a trabalhar.
Os 9 a 15 dias que têm durado estas incursões pela África muçulmana não sabem a suficiente. Queria mais. Mas, como já disse, não dependo só de mim.
Acabo de revelar uma das minhas paixões, Marrocos. Prometo contar uma (ou até as 4) aventura pormenorizadamente. Por hoje é tudo

O mundo é um livro, e quem fica sentado em casa lê somente uma página. (Santo Agostinho)

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

De Pai para Filho


Meu filho...


Vive intensamente a tua infância
Nela escolhes o teu caminho,
Longe da vil e suja ganância,
Livre e leve como um passarinho.

Das fases da vida é a mais curta,
Mas contudo das mais importantes,
Aprendendo coisas interessantes,
Disputando “luta” após “luta”.

Nela constróis uma personalidade.
É um mundo sem preocupações
Habitado por ti e por muitos milhões,
Pequenos seres na tenra idade.

É o espaço das brincadeiras,
Livre de guerras e confusões,
Cheio de amor e emoções
Em planícies soalheiras.

Só o teu corpo manda em ti…
Não te preocupes,
Ele dirá quando forem horas de dormir, de comer, de brincar, de chorar...
Não te preocupes,
Ele saberá quando deves andar, falar, sorrir, gritar.

Eu, serei teu conselheiro, amigo, companheiro.
Vive e aproveita cada dia ao máximo.
Aceita o amor e carinho do teu pai,
Pois disso ele tem muito para te dar.

Talvez não te consiga dar todo o que queiras,
Talvez a vida não seja tão fácil como parece,
Talvez o tempo seja pouco, e muito o cansaço...
Talvez … talvez…

Mas tu mereces tudo, até a minha própria vida!
Pois em ti penso quando estou longe.
És tu que eu levo no meu coração, sempre.
Desculpa se não entendo o que queres,
Desculpa se ás vezes pagas pela minha má disposição,
Desculpa se por vezes for egoista...

Nunca foi minha intenção magoar-te.
Nunca foi minha intenção gritar-te.
Sempre quis o melhor para ti,
E farei os impossíveis para que isso aconteça,
Pois agora sei, meu filho,
Que tu és a razão da minha existência, …és tudo,
E és meu…
…FILHO!

F.V.1999

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

DEMITO-ME!

Estou cansado...

...de dias cheios de computadores, de carradas de papéis, patrões pacóvios, notícias deprimentes e sensacionalistas, contas para pagar, trânsito e confusão, doenças e constante necessidade de atribuir um valor monetário a tudo o que existe - Materialismo!
...de ter que inventar mais maneiras de esticar o dinheiro até ao fim do mês.
...de falsidade, de inveja e principalmente de hipocrisia!
...de ser obrigado a dizer adeus a pessoas queridas e, com elas, a uma parte da minha vida...

Queria aqui apresentar oficialmente o meu pedido de demissão da categoria de adulto.

Decidi:
-Voltar a ter os pensamentos de uma criança de oito anos – no máximo!
-Acreditar que o mundo é justo, e que todas as pessoas são boas e honestas.
-Crer que tudo é possível.
-Quero que as complexidades da vida passem ao lado, e ficar outra vez encantado com as pequenas maravilhas do nosso enorme cenário.
-Quero outra vez uma vida simples e sem responsabilidades.
-Quero voltar a ter certeza de que Deus está no céu e que, por isso, tudo está no seu devido lugar.
-Quero ir ás farturas do Senhor de Matosinhos ou ao jardim zoológico do Palácio de Cristal e nem sequer saber que é muito melhor que McDonald’s ou Shoppings.
-Quero viajar pelos oceanos num barquinho de papel que navega numa poça deixada pela chuva.
-Quero atirar pedrinhas para a água e ter tempo para vêr as ondas que se formam.
-Quero achar que as moedas de chocolate são melhores do que as verdadeiras porque podemos comê-las e ficar com os dentes castanhos.
-Quero poder passar as tardes de verão à sombra de uma árvore, a construir castelos no ar e partilhá-los com os meus amigos e irmãos.
-Quero voltar a achar que chicletes e gelados são as melhores coisas da vida!
-Quero que as maiores competições em que eu entre sejam as "escondidinhas", "sameirinha",etc, etc, etc.
-Quero voltar ao tempo em que tudo o que eu sabia era o nome das cores, a tabuada, as músicas de Natal, os "livros dos cinco" e a "Ave Maria", e não me incomodava nada porque não tinha a menor ideia de quantas coisas ainda não sabia...
-Quero voltar ao tempo em que se é feliz, simplesmente porque se vive na bendita ignorância da existência de coisas que nos podem preocupar e aborrecer.
-Quero acreditar no poder dos sorrisos, dos abraços, dos agrados, das palavras gentis, da verdade, da justiça, da paz, dos sonhos, da imaginação, dos filmes cor-de-rosa e na areia da praia, onde muitas vezes me perdia quando olhava o “fim” do mar.
-Quero estar completamente convencido de que tudo isto vale muito mais do que o dinheiro.
-Quero...
-...

Quero é parar de sonhar e recordar, porque realmente tenho o contrário disto tudo...

terça-feira, janeiro 25, 2005

Sou um privilegiado

Sou um privilegiado porque sou um de 9 filhos que os meus pais tiveram. Fui o terceiro (primeiro varão) e aos 6 anos já tinha quatro irmãs e um irmão! Já eramos 6! Imaginem ir almoçar fora com esta “trupe”.
O meu Pai teve de comprar uma carrinha Peugeot de 7 lugares para poder andar com a família toda. Claro que uns anos mais tarde, já só davam dois carros. As idas ao Portugal dos pequeninos que parecia tão grande. As férias em Caminha – divinais!
Nessas férias estranhava porque é que o meu Pai ía trabalhar de vez em quando. Férias são férias, e eu pensava porque raio ía o meu Pai trabalhar quando estavamos todos de férias? A resposta era sempre:
- Para ganhar tostão, filho.

Era um homem com um “H” enorme, o meu Pai. Gostava de ter tudo do bom e do melhor para si e para os seus, mas trabalhava para o ter, e fazia-o nas férias se preciso fosse. Lembro-me muito bem da crise do início de 80. Ficou-me marcada quando tive um dos mais tristes Natais da minha ainda curta vida. O mais triste foi há 2 anos, mas isso fica para outras alturas... Felizmente, e por ter um Pai e uma Mãe exemplares que sempre tudo fizeram pelos filhos, até 1978-79 sempre tive muitas prendas e brinquedos apesar de já sermos muitos, pois passavam-se os “anos das vacas gordas”. A casa onde estavamos era alugada com uma renda já antiga e muito baixa. Mas era uma “senhora casa”! Só no andar térreo tinha um hall de entrada que dava para fazer um quarto; Duas salas enormes, uma delas forrada a papel aveludado côr de vinho tinto, e a outra com papel côr pérola ora brilhante ora mate e com uns leves baixos relevos entrançados e ás riscas, cada uma com uma grande porta para o jardim (falarei mais á frente); Uma casa de banho de serviço; A cozinha e a salinha ou quarto da empregada. – Com uma família daquelas, uma mãe professora e um pai vendedor, só de empregada interna mesmo! – Uma escadaria de dois lanços, tão larga que subiam três crianças ao mesmo tempo, ía dar ao andar superior. Deparavamo-nos com outro hall de distribuição do tamanho de um quarto. Do lado direito tinhamos o quarto dos meus pais, seguido do quarto das raparigas, a capelinha, o escritório (e acesso ao sotão), a casa de banho e o quarto dos rapazes (eu e o meu irmão). Do escritório para o sotão tinhamos de passar por uma porta relativamente estreita e uma íngreme escadaria até lá acima. O sotão – mais conhecido como boite – que foi re-decorado pelos meus pais, tinha uma pista de dança redonda de vinil preto, o tecto era forrado a esferovite com relevos quadrados ora pintados de preto, ora em branco, qual tabuleiro de xadrez. Em cima das escadas tinha um bar forrado a napa pérola (ou era branca mas já estava amarelada), onde estavam as bebidas (quanto mais coloridas melhor) e a aparelhagem para a música. Ao fundo, e á frente de uma grande janela triangular virada a poente, estava a zona dos bancos e mesas que pareciam emergir do próprio chão. Eram faces quadrangulares forradas com uma espécie de alcatifa vermelha resistente que se propagava pelo resto do chão e paredes. Três mesas de apoio cilíndricas, cada uma com a sua côr, e um puff preto e outro branco finalizavam o “mobiliário” existente. Uns focos no tecto, uma bola de cristal e uns candeeiros ora redondos, ora rectilíneos rematavam uma decoração “anos 70”, que provavelmente seria muito “in” nos tempos de hoje. O meu quarto tinha as paredes pintadas de branco, alcatifa rosa-velho no chão e duas camas lado a lado, separadas por outro espaço igual mas unidas pelas mesinhas de cabeceira contínuas até á estante e secretária. As cores eram o branco e o laranja. Nas prateleiras cimeiras, ainda me lembro da minha colecção do Bonanza – escala Action-Man – com cavalos com esferinhas por baixo das patas para deslizarem, a carroça com pano verdadeiro á volta, os barris de madeira, etc. Do outro lado era o roupeiro. Imagino que se fosse lá agora, tudo me pareceria mais pequeno, mas essa é mais uma das magias de ser criança.

O quintal. Meu Deus, o quintal...

O quintal tinha canteiros com flores de todas as cores e feitios, árvores da altura da casa, metros e metros de passeio em cimento avermelhado (o vermelho era a côr da altura). Lembro-me bem de riscar os passeios todos com os carrinhos de rolamentos. Ainda tinha uma garagem, uma lavandaria, anexos e um galinheiro. É verdade. O galinheiro ora era ocupado por um cão, ora apareciam galinhas. Era engraçado ir de manhã buscar os ovos que elas punham. Ao lado da casa existia ainda um terreno sem nada – só ervas e arbustos – que era igual ao terreno da casa, e que “nos pertencia”. Aí construi algumas das minhas cabanas, chegando a fazer umas de dois andares, encostadas a uma árvore.

Voltando ao assunto do Natal, passava-se o ano de 80 ou 81 – não me recordo bem-, quando na véspera de Natal reparei na pouca quantidade de prendas que existia na árvore. Não era normal. Eramos tantos, as prendas eram sempre muitas, o que se passava? - Pensava eu na altura – Estariam escondidas como surpresas? Fiquei indignado e ansioso para que chegásse a meia-noite, mas algo me fazia antever o pior. E foi. Foi um ano crítico que se reflectiu muito nas economias da família, e o Natal apanhou por tabela. Fiquei triste porque percebi que os meus Pais estavam desgostosos por não poderem dar mais como sempre fizeram. Senti que o Natal para eles não ía ser o Natal. Chorei pelos meus pais, porque compreendi que havia alguma coisa que os ultrapassava. Nunca soube se eles perceberam que eu tinha chorado por eles e não pelas poucas prendas que tive. Nesse Natal recebi um cachecol, uma caixa de b0mb0ns e um livro...

Agora percebo muito melhor o que eles passaram. Os altos e baixos da vida são uma constante, umas vezes demoram mais outras menos, mas chegam em qualquer altura.

Acima de tudo, eu sinto-me um privilegiado, porque nas alegrias e nas tristezas, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, sempre tive(mos) uma GRANDE e unida família!

Obrigado a todos
Meu Pai
Minha Mãe
Meus Irmãos
Minhas Irmãs



quinta-feira, janeiro 20, 2005

A minha geração

Vou fazer 36 anos...
Não me sinto velho, mas sinto-me cansado. Não tem nada que ver com o físico, é mesmo a nível psicológico - o stress, o trânsito, a confusão, as exigências, a informação (ou o excesso de), as responsabilidades, a insegurança, as doenças, as catástrofes, a marginalidade, e mais umas dezenas de motivos!


Só passaram 20-30 anos...
Custa-me crer que já passou tanto tempo pois parece que foi ontem.
As diferenças não deixam de ser abismais!
Viajavamos em carros sem cintos de segurança, air-bag, ar condicionado, leitor de CDs ou ABS, por estradas nacionais onde não passavam dois camiões TIR. Ouvia-se música na emissora nacional ou nos “cartuchos” – cassetes de música do tamanho de uma cassete VHS.
Íamos a Espanha e esperavamos horas nas bichas das fronteiras. Lá comprava-se mais barato, diziam os meus pais. A peseta era mais fraca que o escudo - imagine-se!
Não existiam tampas à prova de crianças em frascos de remédios, portas, ou armários e andavamos de bicicleta sem capacete, na rua, até às tantas...
Ainda me lembro do meu 9º aniversário. Recebi uma bicicleta de ciclista tamanho médio. O meu pai, paciente, segurava no banco para que eu aprendesse, e não foram precisos 15 minutos para começar a andar sozinho. Isto passou-se em frente à minha casa, numa rua de paralelos. Nesse dia fui jantar perto das 22h, depois da minha mãe me chamar umas quantas vezes - andava sozinho, na rua, de bicicleta.
Bebíamos água das fontes, dos poços e directamente da mangueira com um travor a borracha. Gastava horas a construir carrinhos de rolamentos para andar nos passeios. Pensava no pormenor do travão de mão - ou de "sapatilhas" quando falhava o primeiro. Usava caixas de fruta de madeira e rolamentos de carros antigos da sucata para os fazer.
Nas férias saíamos de casa de manhã, brincavamos o dia inteiro, e só voltavamos quando se acendiam as luzes da rua - por vezes nem assim. Construia cabanas com restos de obras feitas nas redondezas e apanhava uns limões do limoeiro da vizinha para refrescar os dias quentes com uma limonada. De noite, - sim, no verão podiamos ficar até depois da meia-noite na rua - levavamos velas para a cabana e lá ficávamos a pensar numa aventura qualquer. Quem não gostava dos Pequenos Vagabundos?
Trocavamos cromos da Heidi, do Vikie, do Tom Sawyer – lembram-se da música? "Tu que andas sempre descalço, Tom Sawyer, junto ao rio a passear, Tom Sawyer, mil amigos deixarás, aqui e além..." - dos campeonatos de futebol, trocavamos carrinhos, viamos, à sucapa, revistas da P1ayb0y. Brincava-se ao quarto-escuro, ao bate-o-pé, à verdade e consequência e aprendíamos a beijar. Tudo isto de noite, numa cabana, à luz das velas.
Ninguém nos podia localizar. Não existiam telemóveis!
Por vezes partiam-se ossos e dentes nas corridas de bicicleta ou carrinhos de rolamentos ou trotinete ou patins com rodas de metal. Chegavamos esmurrados a casa e lá ouviamos um raspanete. Água oxigenada, álcool ou mercurocromo seguidos de sulfamidas era suficiente.
Era mais uma esmurradela. Mais umas joelheiras de pele nas calças para durarem mais uns tempos. Ninguém para culpar, só a nós próprios, e os amigos para apoiar.
Mesmo assim tivemos desacatos com uns safanões à mistura. Voltávamos as costas. Mas éramos amigos e aprendíamos a superar isso. No dia seguinte já não se passava nada.
Comemos doces, pães com manteiga, açucar, marmelada, leite condensado, chocolate em pó misturado com pouco leite para barrar o pão, bebemos refrigerantes e no entanto não éramos gordos.
Estavamos sempre ao ar livre, a correr e a brincar.
Compartilhamos garrafas de refrigerante, copos e gelados, e estamos cá todos para contar.
Não tivemos Nintendo 64, GameBoys, PlayStations, 99 canais por cabo, filmes em DVD, som surround, telemóveis, computadores ou internet.
Tivemos amigos.
Saíamos e íamos ter com eles.
Íamos de bicicleta ou a pé até casa deles e batíamos à porta. Não era preciso pedir autorização aos pais, eles sabiam que estavamos seguros.
Fizemos jogos com paus de vassoura e bolas de ténis, “bestas” com cabides de madeira e molas da roupa, fisgas com ramos em forma de “Y” que escolhiamos a dedo, arcos e flechas com aros de guarda-chuva, zarabatanas com tubos de plástico e papel...
Viviamos no nosso mundo imaginário e inventavamos o que queríamos. Eramos super-heróis, duplos de cinema, subíamos árvores e por vezes caíamos (vulgo malho ou terno, na altura). Jogavamos à carica ou sameira, ao pião, ao eixo, às escondidas, à macaca, enfim, todo o tipo de jogos ao ar livre e em grupo - de amigos.
Começavam as aulas e lá íamos nós, a pé, até à escola. Ainda me lembro que ao lado de uma das minhas escolas primárias – andei em várias – existia uma mercearia onde, no intervalo, ía comprar um pão com mortadela que me custava 2$00 (0,01€!!!). Alguns estudantes não eram tão brilhantes como outros e quando repetiam um ano, repetiam, pronto! Ninguém ía ao psicólogo, ao psicopedagogo, ninguém tinha dislexia nem problemas de atenção nem hiperactividade, simplesmente repetia o ano e tinha uma segunda oportunidade. Ouvia-se um raspanete, ficava-se sem uma semana de férias e aprendia-se a lição.

Não posso deixar de referenciar algumas das séries e animações que marcaram a minha (nossa) infância:
O Espaço 1999 que se passava na lua e tinha uma mulher que se transformava em qualquer animal – Maia; A Galáctica, que acalentava os nossos sonhos, com as suas naves triangulares; O Automan, com o seu Lamborghini que dava curvas a noventa graus; O mítico Homem da Atlântida e as suas membranas no meio dos dedos; A Super-Mulher, heroína que nos prendia à televisão só para a ver mudar de roupa (era às voltas, lembram-se?); O Barco do Amor; E a mais clássica de todas as séries, e que marcou mais gente numa só geração: O Verão Azul.
Em animação tinhamos o saudoso Vasco Granja que nos presenteava com filmes de animação checoslovacos, ou a Pantera Cor-de-Rosa; Heidi, Vikie e Tom Sawyer de que já falei; Conan o Rapaz do Futuro; A Família BarbaPapa; O Professor Baltazar – “Bal_Baltazar! Bal_Baltazar, Baltazaaar!”; O Calimero que era sempre um injustiçado, etc.

A nossa geração produziu alguns dos melhores criadores de soluções e inventores. Os últimos 50 anos foram uma explosão de inovações, invenções e novas ideias. Tivemos liberdade, fracassos, sucessos e responsabilidades, e aprendemos a lidar com isso.
Pergunto se hoje saberemos lidar com a selva que há lá fora...
Fico feliz pela excelente infância que tive, que os meus pais proporcionaram a mim e aos meus irmãos, pelos amigos e raízes que fiz e por todas as experiências que passei, tenham sido bem sucedidas ou fracassadas, pois aprendi com elas todas.
Fico desalentado por saber que os nossos filhos nunca poderão saborear a verdadeira sensação de liberdade.


Fausto

terça-feira, janeiro 18, 2005

Soft Portuguese

Porquê este nome?

  • Soft Portuguese em inglês porque o Português Suave já estava "ocupado"
  • Português Suave porque é a marca que eu fumo (com filtro)
  • Português Suave porque era a marca que o meu Pai fumava (sem filtro)
  • Português Suave porque, afinal de contas, é assim que me sinto

Os temas abordados por aqui serão fundamentalmente introspecções, recordações, o passado, a família, a infância, a saudade, etc... Temas que para alguns não dirão nada, para outros alguma coisa e para mim muito. Coisas que provavelmente teria vontade de dizer e ficam entaladas na garganta... Não brotam naturalmente... Porquê? Pode ser essa necessidade de explicar - a mim próprio, ou aos outros -, tentar chegar ao fundo dos problemas e saber porque lá fui parar e se o que lá estive a fazer valeu realmente a pena.

Talvez agora compreendam que este blog não é um blog qualquer. É muito pessoal, mas ao mesmo tempo quero que seja público - no estrito grupo de família e amigos que por cá aparecerá, provavelmente, ou não -, e assim poder-me-ei fazer entender melhor.

Até logo