quinta-feira, janeiro 20, 2005

A minha geração

Vou fazer 36 anos...
Não me sinto velho, mas sinto-me cansado. Não tem nada que ver com o físico, é mesmo a nível psicológico - o stress, o trânsito, a confusão, as exigências, a informação (ou o excesso de), as responsabilidades, a insegurança, as doenças, as catástrofes, a marginalidade, e mais umas dezenas de motivos!


Só passaram 20-30 anos...
Custa-me crer que já passou tanto tempo pois parece que foi ontem.
As diferenças não deixam de ser abismais!
Viajavamos em carros sem cintos de segurança, air-bag, ar condicionado, leitor de CDs ou ABS, por estradas nacionais onde não passavam dois camiões TIR. Ouvia-se música na emissora nacional ou nos “cartuchos” – cassetes de música do tamanho de uma cassete VHS.
Íamos a Espanha e esperavamos horas nas bichas das fronteiras. Lá comprava-se mais barato, diziam os meus pais. A peseta era mais fraca que o escudo - imagine-se!
Não existiam tampas à prova de crianças em frascos de remédios, portas, ou armários e andavamos de bicicleta sem capacete, na rua, até às tantas...
Ainda me lembro do meu 9º aniversário. Recebi uma bicicleta de ciclista tamanho médio. O meu pai, paciente, segurava no banco para que eu aprendesse, e não foram precisos 15 minutos para começar a andar sozinho. Isto passou-se em frente à minha casa, numa rua de paralelos. Nesse dia fui jantar perto das 22h, depois da minha mãe me chamar umas quantas vezes - andava sozinho, na rua, de bicicleta.
Bebíamos água das fontes, dos poços e directamente da mangueira com um travor a borracha. Gastava horas a construir carrinhos de rolamentos para andar nos passeios. Pensava no pormenor do travão de mão - ou de "sapatilhas" quando falhava o primeiro. Usava caixas de fruta de madeira e rolamentos de carros antigos da sucata para os fazer.
Nas férias saíamos de casa de manhã, brincavamos o dia inteiro, e só voltavamos quando se acendiam as luzes da rua - por vezes nem assim. Construia cabanas com restos de obras feitas nas redondezas e apanhava uns limões do limoeiro da vizinha para refrescar os dias quentes com uma limonada. De noite, - sim, no verão podiamos ficar até depois da meia-noite na rua - levavamos velas para a cabana e lá ficávamos a pensar numa aventura qualquer. Quem não gostava dos Pequenos Vagabundos?
Trocavamos cromos da Heidi, do Vikie, do Tom Sawyer – lembram-se da música? "Tu que andas sempre descalço, Tom Sawyer, junto ao rio a passear, Tom Sawyer, mil amigos deixarás, aqui e além..." - dos campeonatos de futebol, trocavamos carrinhos, viamos, à sucapa, revistas da P1ayb0y. Brincava-se ao quarto-escuro, ao bate-o-pé, à verdade e consequência e aprendíamos a beijar. Tudo isto de noite, numa cabana, à luz das velas.
Ninguém nos podia localizar. Não existiam telemóveis!
Por vezes partiam-se ossos e dentes nas corridas de bicicleta ou carrinhos de rolamentos ou trotinete ou patins com rodas de metal. Chegavamos esmurrados a casa e lá ouviamos um raspanete. Água oxigenada, álcool ou mercurocromo seguidos de sulfamidas era suficiente.
Era mais uma esmurradela. Mais umas joelheiras de pele nas calças para durarem mais uns tempos. Ninguém para culpar, só a nós próprios, e os amigos para apoiar.
Mesmo assim tivemos desacatos com uns safanões à mistura. Voltávamos as costas. Mas éramos amigos e aprendíamos a superar isso. No dia seguinte já não se passava nada.
Comemos doces, pães com manteiga, açucar, marmelada, leite condensado, chocolate em pó misturado com pouco leite para barrar o pão, bebemos refrigerantes e no entanto não éramos gordos.
Estavamos sempre ao ar livre, a correr e a brincar.
Compartilhamos garrafas de refrigerante, copos e gelados, e estamos cá todos para contar.
Não tivemos Nintendo 64, GameBoys, PlayStations, 99 canais por cabo, filmes em DVD, som surround, telemóveis, computadores ou internet.
Tivemos amigos.
Saíamos e íamos ter com eles.
Íamos de bicicleta ou a pé até casa deles e batíamos à porta. Não era preciso pedir autorização aos pais, eles sabiam que estavamos seguros.
Fizemos jogos com paus de vassoura e bolas de ténis, “bestas” com cabides de madeira e molas da roupa, fisgas com ramos em forma de “Y” que escolhiamos a dedo, arcos e flechas com aros de guarda-chuva, zarabatanas com tubos de plástico e papel...
Viviamos no nosso mundo imaginário e inventavamos o que queríamos. Eramos super-heróis, duplos de cinema, subíamos árvores e por vezes caíamos (vulgo malho ou terno, na altura). Jogavamos à carica ou sameira, ao pião, ao eixo, às escondidas, à macaca, enfim, todo o tipo de jogos ao ar livre e em grupo - de amigos.
Começavam as aulas e lá íamos nós, a pé, até à escola. Ainda me lembro que ao lado de uma das minhas escolas primárias – andei em várias – existia uma mercearia onde, no intervalo, ía comprar um pão com mortadela que me custava 2$00 (0,01€!!!). Alguns estudantes não eram tão brilhantes como outros e quando repetiam um ano, repetiam, pronto! Ninguém ía ao psicólogo, ao psicopedagogo, ninguém tinha dislexia nem problemas de atenção nem hiperactividade, simplesmente repetia o ano e tinha uma segunda oportunidade. Ouvia-se um raspanete, ficava-se sem uma semana de férias e aprendia-se a lição.

Não posso deixar de referenciar algumas das séries e animações que marcaram a minha (nossa) infância:
O Espaço 1999 que se passava na lua e tinha uma mulher que se transformava em qualquer animal – Maia; A Galáctica, que acalentava os nossos sonhos, com as suas naves triangulares; O Automan, com o seu Lamborghini que dava curvas a noventa graus; O mítico Homem da Atlântida e as suas membranas no meio dos dedos; A Super-Mulher, heroína que nos prendia à televisão só para a ver mudar de roupa (era às voltas, lembram-se?); O Barco do Amor; E a mais clássica de todas as séries, e que marcou mais gente numa só geração: O Verão Azul.
Em animação tinhamos o saudoso Vasco Granja que nos presenteava com filmes de animação checoslovacos, ou a Pantera Cor-de-Rosa; Heidi, Vikie e Tom Sawyer de que já falei; Conan o Rapaz do Futuro; A Família BarbaPapa; O Professor Baltazar – “Bal_Baltazar! Bal_Baltazar, Baltazaaar!”; O Calimero que era sempre um injustiçado, etc.

A nossa geração produziu alguns dos melhores criadores de soluções e inventores. Os últimos 50 anos foram uma explosão de inovações, invenções e novas ideias. Tivemos liberdade, fracassos, sucessos e responsabilidades, e aprendemos a lidar com isso.
Pergunto se hoje saberemos lidar com a selva que há lá fora...
Fico feliz pela excelente infância que tive, que os meus pais proporcionaram a mim e aos meus irmãos, pelos amigos e raízes que fiz e por todas as experiências que passei, tenham sido bem sucedidas ou fracassadas, pois aprendi com elas todas.
Fico desalentado por saber que os nossos filhos nunca poderão saborear a verdadeira sensação de liberdade.


Fausto

10 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado pela viagem...

Anónimo disse...

Além dos limões que fanavas do quintal da vizinha, esqueceste-te de duas coisas importantes. Os tiros da pistola de pressão de ar para as persianas dos vizinhos (lol) e de seres apanhado com uma cana de pesca artesanal a pescar peixes, também, no lago do vizinho...Eram tantas as histórias.
Ass. EU

Dr.Lux0 disse...

Pois... Foram tantas as histórias... Hão-de aparecer mais.
A vida é uma viagem, curta ou longa, com mais ou menos itinerários, excitante ou monótona, com altos e baixos... Desde que não se perca o Norte.

iTeixeira disse...

e no Carolina num tens umas istórias para nozes?

anda lá só meia duzia, sem ser akela dos dos tóculantes da jc!

aka IT

Susana Vasconcelos disse...

Oi mano!
Também penso muito nisso. Onde é que o meu filho vai ter o "espaço" que nós tivemos para crescer? Alguma coisa vai ter que se arranjar. Senão, como diz o outro, vou fazer a minha vida para outro lado. :-)
Beijocas.
Susana (debebe.blogspot.com)

Dr.Lux0 disse...

Ivo, podes ficar descansado, eu chegarei ao Carolina. Estou a começar na primária, e depois lá irei ;)

Susy, que mais nenhuma geração vai ter uma infância como a nossa, é um facto. Que os miúdos de hoje e de amanhã se vão ter de adaptar às necessidades e tecnologias, também é um facto. De nós só depende dar-lhes um bocadinho daquilo que vivemos, e indicar-lhes o melhor caminho a seguir. Ou então, temos mesmo de ir fazer a nossa vida pra outro lado.

=*

Anónimo disse...

Olá mano!
Também gostei mto de viajar pelas tuas aventuras, se bem que algumas já conhecia!
Devem ter sido realmente tempos muito felizes, mas sabes, a minha infância já foi mto diferente da tua e também foi feliz... aquele sítio na Sra. da Hora era realmente muito bom para se crescer. Eu já passei a minha infãncia no Amial que, apesar de ser um lugar onde não se podia ter tanta liberdade, porque o tempo e os "ambientes" eram outros, também tive as minhas aventuras!
Isto tudo para quê?... Acho mto bem, sim senhor, que se preocupem com a educação e o futuro dos vossos filhos, no entanto acho q cada geração tem maneiras de crescer, obrigatoriamente, diferentes, mas não necessariamente piores ou menos boas do que as nossas...
Não se lembram do papá tantas vezes dizer "No meu tempo é que era..."? É exactamente isso que tu estás a dizer agora e o que, provavelmente, o Faustinho irá dizer aos teus netos...
O importante nisto tudo é passar essas aventuras todas aos vossos filhos, para eles perceberem que os pais também já foram crianças como eles e também para que essas histórias perdurem no tempo e, quem sabe, até sirvam de inspiração! Heheheheeh! Já tou a ver o Faustinho a magicar formas de fazer uma cana de pesca e a procurar um lago com peixinhos!! Ou o Mateus a entrar por uma janelinha da roulotte do vizinho para "gamar" chiclets!
Às vezes apetecia-me ainda poder pedir ao Papá para me contar mais histórias malucas da juventude dele...
Importante também é dizer e mostrar aos miúdos que existe uma vida lá fora cheia de magia e de aventuras por explorar, bem mais interessantes que os computadores e os Game Boys ou a televisão...
beijinhos a todos e parabéns, mano, pelo blog!
Tecas

Anónimo disse...

Olá,

Eu sou a Sol, a dupla da tua mana Teresa.
Acompanho o blog da tua outra irmã, a Susana, e costumo dar uma espreitadela ao blog do teu cunhado "Uma língua viperina". Só me falta ver o do André. Como vês já sei os nomes de (quase) todos vocês...não é fácil!!!
Gostei muito de ler o que escreveste. Consegui sentir o cheirinho daquelas noites de verão passadas na rua, o sabor dos imensos gelados...e aquelas séries todas que nos animavam..ainda hoje sei decor alguns episódios da série Verão Azul. Era a nossa novela!
Os meus parabéns.
Continua a escrever. E peço desculpa por te tratar por tu.
Sol.

Dr.Lux0 disse...

Olá mana, e obrigado, mas tens de ver que nos últimos 30 anos a evolução tecnológica foi tão rápida, tão rápida, que se foram esquecendo os verdadeiros valores da família (em todos os aspectos). Claro que não podemos fazer mais nada a não ser adaptarmo-nos e tentarmos fazer o nosso melhor. Mas que é "dificil pra burro" é!
Só falando no aspecto da segurança, pensa na "ginástica" que, nós pais, temos de fazer para garantir a segurança dos nossos filhos. Se pensares ao de leve no aspecto segurança nos anos 80 e agora, tu vais-me dar razão.
Mas no fundo, é com isto que temos de viver, resignados.

Sol, uma das vantagens do cyberespaço é precisamente podermos tratar as pessoas por tu quando não as conhecemos, portanto estás á vontade. E obrigado.

Unknown disse...

É verdade uma grande geração, grande com um enorme coração, mas que foi completamente atropelada, pela novas tecnologias, o Campo deu lugar a outras flores, a quadros pintados a metal e a cheirar a borracha, o cheiro a jasmim foi-se paRA SEMPRE, o spectrum acabou de vez com a Fisga.
Apeteceu-me