Sou um privilegiado porque sou um de 9 filhos que os meus pais tiveram. Fui o terceiro (primeiro varão) e aos 6 anos já tinha quatro irmãs e um irmão! Já eramos 6! Imaginem ir almoçar fora com esta “trupe”.
O meu Pai teve de comprar uma carrinha Peugeot de 7 lugares para poder andar com a família toda. Claro que uns anos mais tarde, já só davam dois carros. As idas ao Portugal dos pequeninos que parecia tão grande. As férias em Caminha – divinais!
Nessas férias estranhava porque é que o meu Pai ía trabalhar de vez em quando. Férias são férias, e eu pensava porque raio ía o meu Pai trabalhar quando estavamos todos de férias? A resposta era sempre:
- Para ganhar tostão, filho.
Era um homem com um “H” enorme, o meu Pai. Gostava de ter tudo do bom e do melhor para si e para os seus, mas trabalhava para o ter, e fazia-o nas férias se preciso fosse. Lembro-me muito bem da crise do início de 80. Ficou-me marcada quando tive um dos mais tristes Natais da minha ainda curta vida. O mais triste foi há 2 anos, mas isso fica para outras alturas... Felizmente, e por ter um Pai e uma Mãe exemplares que sempre tudo fizeram pelos filhos, até 1978-79 sempre tive muitas prendas e brinquedos apesar de já sermos muitos, pois passavam-se os “anos das vacas gordas”. A casa onde estavamos era alugada com uma renda já antiga e muito baixa. Mas era uma “senhora casa”! Só no andar térreo tinha um hall de entrada que dava para fazer um quarto; Duas salas enormes, uma delas forrada a papel aveludado côr de vinho tinto, e a outra com papel côr pérola ora brilhante ora mate e com uns leves baixos relevos entrançados e ás riscas, cada uma com uma grande porta para o jardim (falarei mais á frente); Uma casa de banho de serviço; A cozinha e a salinha ou quarto da empregada. – Com uma família daquelas, uma mãe professora e um pai vendedor, só de empregada interna mesmo! – Uma escadaria de dois lanços, tão larga que subiam três crianças ao mesmo tempo, ía dar ao andar superior. Deparavamo-nos com outro hall de distribuição do tamanho de um quarto. Do lado direito tinhamos o quarto dos meus pais, seguido do quarto das raparigas, a capelinha, o escritório (e acesso ao sotão), a casa de banho e o quarto dos rapazes (eu e o meu irmão). Do escritório para o sotão tinhamos de passar por uma porta relativamente estreita e uma íngreme escadaria até lá acima. O sotão – mais conhecido como boite – que foi re-decorado pelos meus pais, tinha uma pista de dança redonda de vinil preto, o tecto era forrado a esferovite com relevos quadrados ora pintados de preto, ora em branco, qual tabuleiro de xadrez. Em cima das escadas tinha um bar forrado a napa pérola (ou era branca mas já estava amarelada), onde estavam as bebidas (quanto mais coloridas melhor) e a aparelhagem para a música. Ao fundo, e á frente de uma grande janela triangular virada a poente, estava a zona dos bancos e mesas que pareciam emergir do próprio chão. Eram faces quadrangulares forradas com uma espécie de alcatifa vermelha resistente que se propagava pelo resto do chão e paredes. Três mesas de apoio cilíndricas, cada uma com a sua côr, e um puff preto e outro branco finalizavam o “mobiliário” existente. Uns focos no tecto, uma bola de cristal e uns candeeiros ora redondos, ora rectilíneos rematavam uma decoração “anos 70”, que provavelmente seria muito “in” nos tempos de hoje. O meu quarto tinha as paredes pintadas de branco, alcatifa rosa-velho no chão e duas camas lado a lado, separadas por outro espaço igual mas unidas pelas mesinhas de cabeceira contínuas até á estante e secretária. As cores eram o branco e o laranja. Nas prateleiras cimeiras, ainda me lembro da minha colecção do Bonanza – escala Action-Man – com cavalos com esferinhas por baixo das patas para deslizarem, a carroça com pano verdadeiro á volta, os barris de madeira, etc. Do outro lado era o roupeiro. Imagino que se fosse lá agora, tudo me pareceria mais pequeno, mas essa é mais uma das magias de ser criança.
O quintal. Meu Deus, o quintal...
O quintal tinha canteiros com flores de todas as cores e feitios, árvores da altura da casa, metros e metros de passeio em cimento avermelhado (o vermelho era a côr da altura). Lembro-me bem de riscar os passeios todos com os carrinhos de rolamentos. Ainda tinha uma garagem, uma lavandaria, anexos e um galinheiro. É verdade. O galinheiro ora era ocupado por um cão, ora apareciam galinhas. Era engraçado ir de manhã buscar os ovos que elas punham. Ao lado da casa existia ainda um terreno sem nada – só ervas e arbustos – que era igual ao terreno da casa, e que “nos pertencia”. Aí construi algumas das minhas cabanas, chegando a fazer umas de dois andares, encostadas a uma árvore.
Voltando ao assunto do Natal, passava-se o ano de 80 ou 81 – não me recordo bem-, quando na véspera de Natal reparei na pouca quantidade de prendas que existia na árvore. Não era normal. Eramos tantos, as prendas eram sempre muitas, o que se passava? - Pensava eu na altura – Estariam escondidas como surpresas? Fiquei indignado e ansioso para que chegásse a meia-noite, mas algo me fazia antever o pior. E foi. Foi um ano crítico que se reflectiu muito nas economias da família, e o Natal apanhou por tabela. Fiquei triste porque percebi que os meus Pais estavam desgostosos por não poderem dar mais como sempre fizeram. Senti que o Natal para eles não ía ser o Natal. Chorei pelos meus pais, porque compreendi que havia alguma coisa que os ultrapassava. Nunca soube se eles perceberam que eu tinha chorado por eles e não pelas poucas prendas que tive. Nesse Natal recebi um cachecol, uma caixa de b0mb0ns e um livro...
Agora percebo muito melhor o que eles passaram. Os altos e baixos da vida são uma constante, umas vezes demoram mais outras menos, mas chegam em qualquer altura.
Acima de tudo, eu sinto-me um privilegiado, porque nas alegrias e nas tristezas, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, sempre tive(mos) uma GRANDE e unida família!
Obrigado a todos
Meu Pai
Minha Mãe
Meus Irmãos
Minhas Irmãs