terça-feira, janeiro 25, 2005

Sou um privilegiado

Sou um privilegiado porque sou um de 9 filhos que os meus pais tiveram. Fui o terceiro (primeiro varão) e aos 6 anos já tinha quatro irmãs e um irmão! Já eramos 6! Imaginem ir almoçar fora com esta “trupe”.
O meu Pai teve de comprar uma carrinha Peugeot de 7 lugares para poder andar com a família toda. Claro que uns anos mais tarde, já só davam dois carros. As idas ao Portugal dos pequeninos que parecia tão grande. As férias em Caminha – divinais!
Nessas férias estranhava porque é que o meu Pai ía trabalhar de vez em quando. Férias são férias, e eu pensava porque raio ía o meu Pai trabalhar quando estavamos todos de férias? A resposta era sempre:
- Para ganhar tostão, filho.

Era um homem com um “H” enorme, o meu Pai. Gostava de ter tudo do bom e do melhor para si e para os seus, mas trabalhava para o ter, e fazia-o nas férias se preciso fosse. Lembro-me muito bem da crise do início de 80. Ficou-me marcada quando tive um dos mais tristes Natais da minha ainda curta vida. O mais triste foi há 2 anos, mas isso fica para outras alturas... Felizmente, e por ter um Pai e uma Mãe exemplares que sempre tudo fizeram pelos filhos, até 1978-79 sempre tive muitas prendas e brinquedos apesar de já sermos muitos, pois passavam-se os “anos das vacas gordas”. A casa onde estavamos era alugada com uma renda já antiga e muito baixa. Mas era uma “senhora casa”! Só no andar térreo tinha um hall de entrada que dava para fazer um quarto; Duas salas enormes, uma delas forrada a papel aveludado côr de vinho tinto, e a outra com papel côr pérola ora brilhante ora mate e com uns leves baixos relevos entrançados e ás riscas, cada uma com uma grande porta para o jardim (falarei mais á frente); Uma casa de banho de serviço; A cozinha e a salinha ou quarto da empregada. – Com uma família daquelas, uma mãe professora e um pai vendedor, só de empregada interna mesmo! – Uma escadaria de dois lanços, tão larga que subiam três crianças ao mesmo tempo, ía dar ao andar superior. Deparavamo-nos com outro hall de distribuição do tamanho de um quarto. Do lado direito tinhamos o quarto dos meus pais, seguido do quarto das raparigas, a capelinha, o escritório (e acesso ao sotão), a casa de banho e o quarto dos rapazes (eu e o meu irmão). Do escritório para o sotão tinhamos de passar por uma porta relativamente estreita e uma íngreme escadaria até lá acima. O sotão – mais conhecido como boite – que foi re-decorado pelos meus pais, tinha uma pista de dança redonda de vinil preto, o tecto era forrado a esferovite com relevos quadrados ora pintados de preto, ora em branco, qual tabuleiro de xadrez. Em cima das escadas tinha um bar forrado a napa pérola (ou era branca mas já estava amarelada), onde estavam as bebidas (quanto mais coloridas melhor) e a aparelhagem para a música. Ao fundo, e á frente de uma grande janela triangular virada a poente, estava a zona dos bancos e mesas que pareciam emergir do próprio chão. Eram faces quadrangulares forradas com uma espécie de alcatifa vermelha resistente que se propagava pelo resto do chão e paredes. Três mesas de apoio cilíndricas, cada uma com a sua côr, e um puff preto e outro branco finalizavam o “mobiliário” existente. Uns focos no tecto, uma bola de cristal e uns candeeiros ora redondos, ora rectilíneos rematavam uma decoração “anos 70”, que provavelmente seria muito “in” nos tempos de hoje. O meu quarto tinha as paredes pintadas de branco, alcatifa rosa-velho no chão e duas camas lado a lado, separadas por outro espaço igual mas unidas pelas mesinhas de cabeceira contínuas até á estante e secretária. As cores eram o branco e o laranja. Nas prateleiras cimeiras, ainda me lembro da minha colecção do Bonanza – escala Action-Man – com cavalos com esferinhas por baixo das patas para deslizarem, a carroça com pano verdadeiro á volta, os barris de madeira, etc. Do outro lado era o roupeiro. Imagino que se fosse lá agora, tudo me pareceria mais pequeno, mas essa é mais uma das magias de ser criança.

O quintal. Meu Deus, o quintal...

O quintal tinha canteiros com flores de todas as cores e feitios, árvores da altura da casa, metros e metros de passeio em cimento avermelhado (o vermelho era a côr da altura). Lembro-me bem de riscar os passeios todos com os carrinhos de rolamentos. Ainda tinha uma garagem, uma lavandaria, anexos e um galinheiro. É verdade. O galinheiro ora era ocupado por um cão, ora apareciam galinhas. Era engraçado ir de manhã buscar os ovos que elas punham. Ao lado da casa existia ainda um terreno sem nada – só ervas e arbustos – que era igual ao terreno da casa, e que “nos pertencia”. Aí construi algumas das minhas cabanas, chegando a fazer umas de dois andares, encostadas a uma árvore.

Voltando ao assunto do Natal, passava-se o ano de 80 ou 81 – não me recordo bem-, quando na véspera de Natal reparei na pouca quantidade de prendas que existia na árvore. Não era normal. Eramos tantos, as prendas eram sempre muitas, o que se passava? - Pensava eu na altura – Estariam escondidas como surpresas? Fiquei indignado e ansioso para que chegásse a meia-noite, mas algo me fazia antever o pior. E foi. Foi um ano crítico que se reflectiu muito nas economias da família, e o Natal apanhou por tabela. Fiquei triste porque percebi que os meus Pais estavam desgostosos por não poderem dar mais como sempre fizeram. Senti que o Natal para eles não ía ser o Natal. Chorei pelos meus pais, porque compreendi que havia alguma coisa que os ultrapassava. Nunca soube se eles perceberam que eu tinha chorado por eles e não pelas poucas prendas que tive. Nesse Natal recebi um cachecol, uma caixa de b0mb0ns e um livro...

Agora percebo muito melhor o que eles passaram. Os altos e baixos da vida são uma constante, umas vezes demoram mais outras menos, mas chegam em qualquer altura.

Acima de tudo, eu sinto-me um privilegiado, porque nas alegrias e nas tristezas, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, sempre tive(mos) uma GRANDE e unida família!

Obrigado a todos
Meu Pai
Minha Mãe
Meus Irmãos
Minhas Irmãs



quinta-feira, janeiro 20, 2005

A minha geração

Vou fazer 36 anos...
Não me sinto velho, mas sinto-me cansado. Não tem nada que ver com o físico, é mesmo a nível psicológico - o stress, o trânsito, a confusão, as exigências, a informação (ou o excesso de), as responsabilidades, a insegurança, as doenças, as catástrofes, a marginalidade, e mais umas dezenas de motivos!


Só passaram 20-30 anos...
Custa-me crer que já passou tanto tempo pois parece que foi ontem.
As diferenças não deixam de ser abismais!
Viajavamos em carros sem cintos de segurança, air-bag, ar condicionado, leitor de CDs ou ABS, por estradas nacionais onde não passavam dois camiões TIR. Ouvia-se música na emissora nacional ou nos “cartuchos” – cassetes de música do tamanho de uma cassete VHS.
Íamos a Espanha e esperavamos horas nas bichas das fronteiras. Lá comprava-se mais barato, diziam os meus pais. A peseta era mais fraca que o escudo - imagine-se!
Não existiam tampas à prova de crianças em frascos de remédios, portas, ou armários e andavamos de bicicleta sem capacete, na rua, até às tantas...
Ainda me lembro do meu 9º aniversário. Recebi uma bicicleta de ciclista tamanho médio. O meu pai, paciente, segurava no banco para que eu aprendesse, e não foram precisos 15 minutos para começar a andar sozinho. Isto passou-se em frente à minha casa, numa rua de paralelos. Nesse dia fui jantar perto das 22h, depois da minha mãe me chamar umas quantas vezes - andava sozinho, na rua, de bicicleta.
Bebíamos água das fontes, dos poços e directamente da mangueira com um travor a borracha. Gastava horas a construir carrinhos de rolamentos para andar nos passeios. Pensava no pormenor do travão de mão - ou de "sapatilhas" quando falhava o primeiro. Usava caixas de fruta de madeira e rolamentos de carros antigos da sucata para os fazer.
Nas férias saíamos de casa de manhã, brincavamos o dia inteiro, e só voltavamos quando se acendiam as luzes da rua - por vezes nem assim. Construia cabanas com restos de obras feitas nas redondezas e apanhava uns limões do limoeiro da vizinha para refrescar os dias quentes com uma limonada. De noite, - sim, no verão podiamos ficar até depois da meia-noite na rua - levavamos velas para a cabana e lá ficávamos a pensar numa aventura qualquer. Quem não gostava dos Pequenos Vagabundos?
Trocavamos cromos da Heidi, do Vikie, do Tom Sawyer – lembram-se da música? "Tu que andas sempre descalço, Tom Sawyer, junto ao rio a passear, Tom Sawyer, mil amigos deixarás, aqui e além..." - dos campeonatos de futebol, trocavamos carrinhos, viamos, à sucapa, revistas da P1ayb0y. Brincava-se ao quarto-escuro, ao bate-o-pé, à verdade e consequência e aprendíamos a beijar. Tudo isto de noite, numa cabana, à luz das velas.
Ninguém nos podia localizar. Não existiam telemóveis!
Por vezes partiam-se ossos e dentes nas corridas de bicicleta ou carrinhos de rolamentos ou trotinete ou patins com rodas de metal. Chegavamos esmurrados a casa e lá ouviamos um raspanete. Água oxigenada, álcool ou mercurocromo seguidos de sulfamidas era suficiente.
Era mais uma esmurradela. Mais umas joelheiras de pele nas calças para durarem mais uns tempos. Ninguém para culpar, só a nós próprios, e os amigos para apoiar.
Mesmo assim tivemos desacatos com uns safanões à mistura. Voltávamos as costas. Mas éramos amigos e aprendíamos a superar isso. No dia seguinte já não se passava nada.
Comemos doces, pães com manteiga, açucar, marmelada, leite condensado, chocolate em pó misturado com pouco leite para barrar o pão, bebemos refrigerantes e no entanto não éramos gordos.
Estavamos sempre ao ar livre, a correr e a brincar.
Compartilhamos garrafas de refrigerante, copos e gelados, e estamos cá todos para contar.
Não tivemos Nintendo 64, GameBoys, PlayStations, 99 canais por cabo, filmes em DVD, som surround, telemóveis, computadores ou internet.
Tivemos amigos.
Saíamos e íamos ter com eles.
Íamos de bicicleta ou a pé até casa deles e batíamos à porta. Não era preciso pedir autorização aos pais, eles sabiam que estavamos seguros.
Fizemos jogos com paus de vassoura e bolas de ténis, “bestas” com cabides de madeira e molas da roupa, fisgas com ramos em forma de “Y” que escolhiamos a dedo, arcos e flechas com aros de guarda-chuva, zarabatanas com tubos de plástico e papel...
Viviamos no nosso mundo imaginário e inventavamos o que queríamos. Eramos super-heróis, duplos de cinema, subíamos árvores e por vezes caíamos (vulgo malho ou terno, na altura). Jogavamos à carica ou sameira, ao pião, ao eixo, às escondidas, à macaca, enfim, todo o tipo de jogos ao ar livre e em grupo - de amigos.
Começavam as aulas e lá íamos nós, a pé, até à escola. Ainda me lembro que ao lado de uma das minhas escolas primárias – andei em várias – existia uma mercearia onde, no intervalo, ía comprar um pão com mortadela que me custava 2$00 (0,01€!!!). Alguns estudantes não eram tão brilhantes como outros e quando repetiam um ano, repetiam, pronto! Ninguém ía ao psicólogo, ao psicopedagogo, ninguém tinha dislexia nem problemas de atenção nem hiperactividade, simplesmente repetia o ano e tinha uma segunda oportunidade. Ouvia-se um raspanete, ficava-se sem uma semana de férias e aprendia-se a lição.

Não posso deixar de referenciar algumas das séries e animações que marcaram a minha (nossa) infância:
O Espaço 1999 que se passava na lua e tinha uma mulher que se transformava em qualquer animal – Maia; A Galáctica, que acalentava os nossos sonhos, com as suas naves triangulares; O Automan, com o seu Lamborghini que dava curvas a noventa graus; O mítico Homem da Atlântida e as suas membranas no meio dos dedos; A Super-Mulher, heroína que nos prendia à televisão só para a ver mudar de roupa (era às voltas, lembram-se?); O Barco do Amor; E a mais clássica de todas as séries, e que marcou mais gente numa só geração: O Verão Azul.
Em animação tinhamos o saudoso Vasco Granja que nos presenteava com filmes de animação checoslovacos, ou a Pantera Cor-de-Rosa; Heidi, Vikie e Tom Sawyer de que já falei; Conan o Rapaz do Futuro; A Família BarbaPapa; O Professor Baltazar – “Bal_Baltazar! Bal_Baltazar, Baltazaaar!”; O Calimero que era sempre um injustiçado, etc.

A nossa geração produziu alguns dos melhores criadores de soluções e inventores. Os últimos 50 anos foram uma explosão de inovações, invenções e novas ideias. Tivemos liberdade, fracassos, sucessos e responsabilidades, e aprendemos a lidar com isso.
Pergunto se hoje saberemos lidar com a selva que há lá fora...
Fico feliz pela excelente infância que tive, que os meus pais proporcionaram a mim e aos meus irmãos, pelos amigos e raízes que fiz e por todas as experiências que passei, tenham sido bem sucedidas ou fracassadas, pois aprendi com elas todas.
Fico desalentado por saber que os nossos filhos nunca poderão saborear a verdadeira sensação de liberdade.


Fausto

terça-feira, janeiro 18, 2005

Soft Portuguese

Porquê este nome?

  • Soft Portuguese em inglês porque o Português Suave já estava "ocupado"
  • Português Suave porque é a marca que eu fumo (com filtro)
  • Português Suave porque era a marca que o meu Pai fumava (sem filtro)
  • Português Suave porque, afinal de contas, é assim que me sinto

Os temas abordados por aqui serão fundamentalmente introspecções, recordações, o passado, a família, a infância, a saudade, etc... Temas que para alguns não dirão nada, para outros alguma coisa e para mim muito. Coisas que provavelmente teria vontade de dizer e ficam entaladas na garganta... Não brotam naturalmente... Porquê? Pode ser essa necessidade de explicar - a mim próprio, ou aos outros -, tentar chegar ao fundo dos problemas e saber porque lá fui parar e se o que lá estive a fazer valeu realmente a pena.

Talvez agora compreendam que este blog não é um blog qualquer. É muito pessoal, mas ao mesmo tempo quero que seja público - no estrito grupo de família e amigos que por cá aparecerá, provavelmente, ou não -, e assim poder-me-ei fazer entender melhor.

Até logo